Considerações
e Formulações Acerca da Obra:
Extensão ou
Comunicação? de
Paulo Freire
2°
Parte
Sobre
o Despertar da Consciência Critica nos
Extensionistas
No texto de
Freire encontramos um alerta: o objetivo inicial de um extensionista é
substituir os conhecimentos do homem do campo pelos seus. Isso é uma agressão e
ocorre pelo fato de não haver uma consciência
critica por parte dos extensionistas.
Vale ressaltar que o extensionista, em geral, está
vinculado a um órgão político; logo, os objetivos do agrônomo representam os
objetivos da instituição, naturalmente, representam também os objetivos e
interesses do governo.
O extensionista tem o trabalho de levar novas técnicas e
conhecimentos que objetivam melhorar a produção, num sentido puramente
econômico; técnicas que avancem em direção ao aumento da produção e, consequentemente,
ao aumento de capital. Percebe-se por esse viés, que desde o inicio há um fundo
de interesse político.
Mas procurando se deter na questão do trabalho do extensionista,
entendemos que o que ele faz é invadir uma realidade consolidada, tentando
impor uma nova visão, ou seja, duas realidades entram em choque e atuam
simultaneamente, o problema que surge ai, é que elas vão tentar sobrepor-se
constantemente por falta de dialogo.
O trabalho do extensionista visa substituir a forma
empírica de tratar a terra pelas técnicas e ciência aplicada, “a extensão
agrícola aparece então, como um campo especializado, de cujo quefazer se espera o sucesso destas
mudanças.” (Freire, p.25)
Nada disso resulta em libertação.
Nada disso resulta em libertação.
Não se despreza o conhecimento empírico, pois o empírico
é aquele que tem a pratica, o extensionista é aquele que tem a técnica.
Portanto, através do dialogo, os dois formarão aquilo que a filosofia freireana
busca: a conciliação entre teoria e pratica. Por este motivo, não se pode
desprezar o conhecimento empírico ao levar ou estender os novos conhecimentos
para essa outra realidade.
A critica de Freire está calcada no fato do agrônomo
adentrar essa outra realidade, com técnicas prontas, e tentar aplicá-las sem o
prévio conhecimento da realidade em questão. O despertar da consciência critica no agrônomo pode, em
parte, evitar isso. Ele deve conhecer, antes de atuar, a realidade do homem
rural; não em termos gerais, mas conhecer especificamente a realidade onde
pretende atuar. Ele reforma sua própria visão de mundo a partir do dialogo com
o homem do campo. Dialogando ele conhece e entende a realidade rural; ele não afirma
mais: É assim que se faz!, ele
pergunta: Como é que se faz?.
Invasão
Cultural
Nota-se que estamos novamente tratando da situação opressor-oprimido. O agrônomo sai de seu
espaço histórico-cultural, esse espaço contem seus valores, sua visão de mundo;
ou seja, seus conhecimentos de mundo ocorrem sob esses valores que ele vai
tentar sobrepor sobre os valores do homem do campo, que por sua vez estão
inseridos em outro contexto histórico-cultural. Dessa forma o agrônomo reduz o
homem rural a objetos de sua ação, em uma relação autoritária, situando os dois
em pólos antagônicos.
O agrônomo invade a
cultura do homem rural por meio de uma ação antidialógica, toma o homem do
campo por objeto, o camponês tem a ilusão de que atua junto com o agrônomo
quando na verdade seus valores estão sendo apagados e sua ação está sofrendo um
processo de domesticação.
O
primeiro atua, os segundos tem a ilusão de que atuam na atuação do primeiro;
este diz a palavra; os segundos, proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do
primeiro, o invasor pensa, na melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais
com eles; estes são pensados por aqueles. O invasor prescreve, os invadidos são
pacientes da prescrição.
(Freire, p.41-42)
(Freire, p.41-42)
Freire
afirma que toda invasão cultural pressupõe a conquista pelo messianismo de quem
invade, como a invasão é um ato de conquista, necessita de mais conquista para
se manter. (Freire, p.42)
O que o agrônomo faz ao invadir a cultura rural?
Ele descaracteriza essa cultura. Como ocorre essa
descaracterização?
O invasor possui instrumentos a seu favor, a
descaracterização, a substituição de valores, ocorre por meio da persuasão; o
invasor persuade fazendo uso de tais instrumentos; estes instrumentos são:
propagandas, slogans, mitos, manipulação. Tomado como recipiente, o homem rural
é “enchido” pelos valores da cultura invasora através do uso de tais
ferramentas.
Por
meio da manipulação, o invasor desperta no invadido a sensação de que estão
atuando juntos, quando na verdade o povo rural está sendo massificado.
Só se pode reverter ou evitar este quadro por meio do dialogo.
Só se pode reverter ou evitar este quadro por meio do dialogo.
Freire ressalta, para não cair em relativizações e
generalizações, que reconhece que nem todos os extensionistas promovem a
invasão cultural, porém não é possível ignorarmos o sentido ostensivo que o
termo extensão assume.
Esse sentido é aquele que foge do dialogo, que se afasta
do humanismo, da transformação conjunta da realidade. Em sua própria ignorância, o invasor pensará que o que
faz é um quefazer educativo;
domestica sem saber, manipulam e persuadem achando que educam, quando na
verdade estão atuando no erro, eles tem a falsa sensação de que estão
“libertando” o homem rural. Ao se desconhecer a cultura da população a quem se
destina, a extensão é antidialógica e manipuladora.
Para se ter êxito, a invasão cultural precisa convencer
os invadidos de que eles são inferiores, assim passam a ver os invasores como
superiores, adquirem seus valores e seus hábitos, sua maneira de produzir de
pensar. Posto deste modo, são submetidos a condições concretas de opressão e
são incapazes de perceber a própria sujeição e se acomodam nela. Vendo
o opressor como autoridade, ele se torna dócil e passivo, propicio a receber os
conhecimentos do opressor como verdade, pois o opressor, através do messianismo
e da propaganda, persuade o oprimido de que o que ele faz é errado.
Por que insistem na
antidialogicidade?
A desculpa dos próprios agrônomos é que por meio da
dialogicidade as coisas acontecem de forma lenta e não se concilia à “premência
do país no que diz respeito ao estimulo à produtividade”. (Freire, p.45)
Quanto a isto, é interessante ressaltarmos um
trecho da obra em questão em que Freire expõe argumentos coletados em
seminários com os próprios extensionistas, em que eles apresentam uma “defesa”
da invasão cultural:
Para grande parte, senão a maior parte dos
agrônomos com quem temos participado em seminários em torno dos pontos de vista
que estamos desenvolvendo neste estudo, a “dialogicidade é inviável”. “E o é na
medida em que seus resultados são lentos, duvidosos, demorados”. “Sua lentidão
– dizem ou outros – apesar dos resultados que pudesse produzir, não se concilia
com a premência do país no que diz respeito
ao estimulo à produtividade”.
“Deste modo – afirmam enfaticamente – não se justifica essa perda de tempo, entre dialogicidade e antidialogicidade fiquemos com essa ultima, já que é mais rápida”.
Há, inclusive, aqueles que, movidos pela urgência do tempo, dizem que “é preciso que se façam ‘depósitos’ de conhecimentos técnicos nos camponeses, já que assim, mais rapidamente, serão capazes de substituir seus conhecimentos empíricos pelas técnicas apropriadas”.
“Há um problema angustiante que nos desafia – declaram outros -, que é o aumento da produção; como, então, perder um tempo tão grande, procurando adequar nossa ação às condições culturais dos camponeses? Como perder tanto tempo dialogando com eles?”
“Há um ponto mais sério ainda – sentenciam outros – Como dialogar em torno de assuntos técnicos? Como dialogar com os camponeses sobre um coisa que eles ainda não conhecem?”
(Freire, p 45)
“Deste modo – afirmam enfaticamente – não se justifica essa perda de tempo, entre dialogicidade e antidialogicidade fiquemos com essa ultima, já que é mais rápida”.
Há, inclusive, aqueles que, movidos pela urgência do tempo, dizem que “é preciso que se façam ‘depósitos’ de conhecimentos técnicos nos camponeses, já que assim, mais rapidamente, serão capazes de substituir seus conhecimentos empíricos pelas técnicas apropriadas”.
“Há um problema angustiante que nos desafia – declaram outros -, que é o aumento da produção; como, então, perder um tempo tão grande, procurando adequar nossa ação às condições culturais dos camponeses? Como perder tanto tempo dialogando com eles?”
“Há um ponto mais sério ainda – sentenciam outros – Como dialogar em torno de assuntos técnicos? Como dialogar com os camponeses sobre um coisa que eles ainda não conhecem?”
(Freire, p 45)
Apesar de Freire usar este exemplo concreto, podemos,
após refletir um pouco, notar que a invasão
cultural é um termo abrangente. Essa situação ocorre sempre que o invasor
tenta sobrepor sua visão de mundo sobre a realidade do invadido. E para que uma
invasão seja eficaz, ela necessita de antidialogicidade, necessita que o homem
seja “coisificado”, que seja tomado como objeto, como um ser passivo, um jarro
vazio que pode ser “enchido” pelos novos conhecimentos.
Freire nos mostra que o problema não é nem a situação opressor-oprimido em si, mas sim a sua
manutenção. Manutenção que por sua vez ocorre pela própria ignorância dos
opressores, e na insistência de continuarem nessa ignorância. A opinião dos
extensionistas, que estão aqui no papel de opressores, é que a dialogicidade é
perda de tempo, porque eles precisam cumprir metas, precisam de resultados
rápidos. Voltamos então àquela situação inicial, que o extensionista está
vinculado a um órgão político, representando os interesses do governo. Se
analisarmos sob essa luz, o extensionista é também um oprimido, o que ele faz
também é mecânico. Em sua relação com os superiores também não há dialogo, eles
também são conquistados pela sloganização e propaganda, eles também são
persuadidos. Seu objetivo logo se pauta na reprodução disso sobre o homem
rural, que por sua vez é oprimido duplamente, sendo assim o objetivo dos
extensionistas, depende da capacidade de adaptação e reprodução por parte do
camponês.
Porém,
o mais interessante de se notar é que não saímos da situação opressor-oprimido. Não é absurdo
afirmarmos que toda obra de Freire tem como ponto central a Pedagogia do
Oprimido. “Do” oprimido, esse “do” nos mostra o ponto de onde ele olha.
Eu digo que o conceito opressor-oprimido
centra toda a filosofia de Freire, porque esse conceito é a matriz dos outros
conceitos; do dialogo entre opressor e oprimido surge a consciência critica que auxiliada pela práxis nos leva em direção à busca do ser mais.
O
conceito de opressor-oprimido é atual
porque é uma situação que sempre irá surgir, e se é algo que sempre vai surgir,
o dialogo deve ser algo constante. É só pelo dialogo, apoiado pela consciência critica que se tenta evitar
a repetição desta situação.
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Freire, P; Extensão ou Comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 93p.
Freire, P; Extensão ou Comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 93p.