sexta-feira, 29 de novembro de 2013

*Ao fim desta postagen encontram-se os links para download e leitura dos manifestos na íntegra e videos das musicas apresentadas no primeiro encontro sobre A Desumanização da Arte de Ortega y Gasset.


ANDRÉ BRETON, MANIFESTO DO SURREALISMO, 1924 (trechos)


Só o que me exalta ainda é uma única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única aspiração legítima. Entre tantos infortúnios por nós herdados, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito nos foi concedida. Devemos cuidar de não fazer mau uso dela. Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça. Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar (como se fosse possível enganar-se mais ainda). Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem? 
Fica a loucura. “a loucura que é encarcerada”, como já se disse bem. Essa ou a outra.. Todos sabem, com efeito, que os loucos não devem sua internação senão a um reduzido número de atos legalmente repreensíveis, e que, não houvesse estes atos, sua liberdade (o que se vê de sua liberdade) não poderia ser ameaçada.[..] Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.
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O pretexto de civilização e de progresso conseguiu banir do espírito tudo que se pode tachar, com ou sem razão, de superstição, de quimera; [...] Ao que parece, foi um puro acaso que recentemente trouxe à luz uma parte do mundo intelectual, a meu ver, a mais importante, e da qual se afetava não querer saber. Agradeça-se a isso às descobertas de Freud. Com a fé nestas descobertas desenha-se afinal uma corrente de opinião, graças à qual o explorador humano poderá levar mais longe suas investigações, pois que autorizado a não ter só em conta as realidades sumárias. Talvez esteja a imaginação a ponto de retomar seus direitos. Se as profundezas de nosso espírito escondem estranhas forças capazes de aumentar as da superfície, ou contra elas lutar vitoriosamente, há todo interesse em captá-las, captá-las primeiro, para submetê-las depois, se for o caso, ao controle de nossa razão. Com justa razão Freud dirigiu sua crítica para o sonho. É inadmissível, com efeito, que esta parte considerável da atividade psíquica não tenha recebido a atenção devida.

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Só com muita fé poderiam nos contestar o direito de empregar a palavra SURREALISMO no sentido muito particular em que o entendemos, pois está claro que antes de nós esta palavra não obteve êxito. Defino-a de uma vez por todas. 
SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral.




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TRISTAN TZARA, MANIFESTO DADAÍSTA, 1918 (trechos)


Ao darmos à arte o impulso da suprema simplicidade — novidade — somos humanos e fiéis ao divertimento, impulsivos, vibrantes para crucificar o tédio. Na encruzilhada das luzes, alertas, atentos, espreitando os anos, dentro da floresta.
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Dadá não significa nada!
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A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque ela está morta; nem alegre nem triste, nem clara nem escura, deleitar ou maltratar as individualidades servindo-lhes os doces de auréolas santas ou os suores de uma corrida ondulante pela atmosfera. Uma obra de arte jamais é bela, por decreto, objetivamente, para todos. A crítica é portanto inútil, ela só existe subjetivamente, para cada um, e sem o menor caráter de generalidade.
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Não reconhecemos nenhuma teoria. Já estamos fartos das academias cubistas e futuristas: laboratórios de idéias formais. Pratica-se a arte para ganhar dinheiro e adular os gentis burgueses? As rimas soam a assonância das moedas, e a inflexão desliza ao longo da linha do ventre de perfil. Todos os grupos de artistas foram parar nesse banco, cavalgando diversos cometas. A porta aberta às possibilidades de se chafurdar nas almofadas e na comida. 
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DADÁ é o sinal da abstração; a propaganda e os negócios são também elementos poéticos.
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Precisamos de obras fortes, diretas, precisas e para sempre incompreendidas. A lógica é uma complicação. A lógica é sempre falsa. Ela puxa os fios das noções e palavras exteriormente formais para alvos e centros ilusórios. Suas cadeias matam, miriápode enorme asfixiando a independência. Casada com a lógica, a arte viveria em incesto, engolindo sua própria cauda, que continua pertencendo ao seu corpo, fornicando consigo mesma, e o temperamento se tornaria um pesadelo feito de protestantismo, um monumento, uma massa de intestinos cinzentos e pesados.
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Todo produto da aversão suscetível de se tornar uma negação da família é dadá; protesto com toda a sua força em ação destrutiva: DADÁ; conhecimento de todos os meios rejeitados até agora pelo sexo pudico do compromisso cômodo e da polidez: DADÁ; abolição da lógica, dança dos incapazes de criação: DADÁ; de toda hierarquia e equação social estabelecidas pelos valores por nossos criados: DADÁ; cada objeto, todos os objetos, os sentimentos e as obscuridades, as aparições e o choque preciso de linhas paralelas, são meios para o combate: DADÁ; abolição da memória: DADÁ; abolição da arqueologia: DADÁ; abolição dos profetas: DADÁ; abolição do futuro: DADÁ; crença absoluta indiscutível em cada deus produto imediato da espontaneidade: DADÁ; salto elegante e sem preconceito de uma harmonia para outra esfera; trajetória de uma palavra atirada como um disco sonoro grito; respeitar todas as individualidades na sua loucura do momento: séria, temerosa, tímida, ardente, vigorosa, decidida ou entusiasmada; despojar sua igreja de todos os acessórios inúteis e pesados; cuspir como uma cascata luminosa o pensamento desagradável ou amoroso, ou acalentá-lo — com a viva satisfação de que tudo é igual — com a mesma intensidade na moita, livre de insetos para o sangue bem-nascido, e dourado com corpos de arcanjos, com sua própria alma. Liberdade: DADÁ DADÁ DADÁ, alarido de dores crispadas, entrelaçamento dos contrários e de todas as contradições, dos grotescos, das inconsequências: A VIDA.


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FILIPPO TOMMASO MARINETTI, MANIFESTO FUTURISTA, 1909 (trechos)


“Então, com o vulto coberto pela boa lama das fábricas - empaste de escórias metálicas, de suores inúteis, de fuligens celestes -, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade onipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo o tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o vôo deslizante dos aviões, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.


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MANIFESTO ANTROPÓFAGO  Oswald de Andrade (trechos)

Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. 

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. 

Tupi, or not tupi that is the question. 

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. 

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.  [...]

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa. 

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar. 

Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.  [...]

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico.

O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.[...]

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. 
Sem Napoleão. Sem César. 

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue. [...]


Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.


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A tarde de um fauno (L'après-midi d'un faune) Stéphane Mallarmé (Écloga 1865-1875)

O fauno:

Estas ninfas quero eu perpetuar.
Tão puro,
o seu claro rubor, que volteia no duro ar
pesando a sopor.
Foi um sonho o que amei?
Massa de velha noite, essa dúvida, sei,
muito ramo subtil estendendo,
provava
meu engano infeliz, que enganado
tomava por triunfo, afinal um pecado de rosas.
Reflitamos.


Quem sabe as mulheres que glosas
são configurações de anseios que possuis?
 Repara na ilusão que emana dos azuis
e frios olhos, fonte em pranto, da mais
 casta
Suspiros, toda, a outra - alegas que contrasta,
como brisa diurna e tépida que passa?
Mas não! Neste desmaio imóvel, lasso - ameaça
a todo matinal frescor de suave fama
 se uma fonte murmura, esta flauta a derrama
 no vizinho silvedo, irrigando-o de acordes;
nenhum vento aqui faz, senão os sopros concordes desta avena que o som em
chuva árida espalha,
e senão no horizonte, em sua calma sem falha,
o sereno bafor da pura inspiração,
visível, regressando ao céu, por ascensão.

[...]


[Nota do tradutor, José Lourenço de Oliveira: "relida em 02.1963 e achada ruim"]

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Manifesto Surrealista:  http://www.culturabrasil.pro.br/zip/breton.pdf
Manifesto Dadaístahttp://marocidental.blogspot.com.br/2012/01/manifestos-literarios-baixe-os.html
Manifesto Futurista: http://marocidental.blogspot.com.br/2012/01/o-manifesto-futurista-de-marinetti.html

Musicas:


Wagner: Tristão e Isolda

Debussy:  1912-L'Après-midi d'un Faune

Stravinsky: Joffrey Ballet 1989 Rite of Spring (1 of 3)



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Curso de Extensão

LEITURAS FILOSÓFICAS
A DESUMANIZAÇÃO DA ARTE
(ORTEGA Y GASSET)



   O curso 'Leituras Filosóficas' tem como objetivo propiciar orientações básicas para uma leitura sistemática de textos filosóficos clássicos e contemporâneos. Nesta quinta edição estudaremos a obra A Desumanização da Arte de José Ortega y Gasset. Antes de cada reunião é imprescindível a leitura prévia dos capítulos indicados.

Cronograma: toda quarta, de 27 de novembro a 11 de dezembro

Horário17:30 às 18:45

Local: Sala 9, ICHS/UFMT

N° de vagas: 20

Público: comunidade acadêmica da UFMT e demais interessados

Carga horária6h (presenciais e de estudos individuais)

Professores: Sara Pozzer e Rodrigo Marcos

Inscrição (gratuita): Depto de Filosofia - 3915-8479

Blog do curso: leiturasfilosoficasufmt.blogspot.com




LEITURA DE “A DESUMANIZAÇÃO DA ARTE”, ORTEGA Y GASSET
por Raphael dos Santos

A Desumanização da arte refere-se a uma compilação de ensaios que Ortega y Gasset (1883 - 1955)  escreveu para jornais analisando a transição da arte do século XIX para a arte do século XX. No século XX, a nova arte é impopular, o problema para ele era estético e amparado por um dado social, que é justamente a impopularidade da nova arte.
Temos então um contraste entre a arte dos séculos XIX e XX.

Século XIX
Século XX
Exemplos
Romantismo
Cubismo
Teatro: Pirandello
Naturalismo
Dadaísmo
Poesia: Mallarmé
Realismo
Futurismo
Pintura: Cubismo e Dadaísmo
Musica Tonal
Musica Atonal
Cinema: Caligarismo e Expressionismo

Ortega ressalta que toda arte jovem nasce impopular e torna-se popular com o tempo, tanto que para comprovar suas palavras, o Cubismo e Surrealismo hoje fazem parte do universo popular da arte, ou de um universo Cult, embora por muito tempo tenham sido renegadas como arte. A exceção a esta regra foi o Romantismo, que por ser mais palatável ao gosto popular, conquistou espaço com certa rapidez.
            O fato é que toda arte agrada a uns e “desagrada” a muitos. O problema levantado por Ortega gira em torno do dado de que a arte contemporânea permaneceu impopular por muitos anos, ela não teve muita aceitação e até hoje algumas vertentes são vistas com “desagrado”. Por qual motivo?
            Ortega vai dizer que a nova arte não é para todo mundo, como era o caso da arte romântica. Temos assim, uma arte dirigida para um público bem específico e distinto, e digamos assim, privilegiado. Neste ponto, ele separa o público em duas classes: os que entendem a nova arte e os que não a entendem. Quem entende sente-se superior, quem não entende fica como que humilhado ante sua falta de “senso artístico”, como se necessitasse de um aparato cultural para entendê-la, uma base que lhe foi negada. Há aqui a necessidade de diferenciar o que é popular do que é impopular. Segundo Ortega, “o estilo que inova demora certo tempo para conquistar a popularidade, não é popular, mas tampouco é impopular”(ORTEGA Y GASSET, 2008, p.21). Por este prisma, a arte sempre divide o publico em duas classes, mas nem por isso torna a arte de todo impopular, no caso da nova arte do século XX, ela não agrada ao publico que entende de arte e muito menos o publico que não entende. A nova arte é inteligível para estas duas classes de público, inteligível para quase todo mundo. Essa nova arte “é impopular por essência; mais ainda, é antipopular. Uma obra qualquer por ela criada produz no público, automaticamente, um curioso efeito sociológico.” (idem) A nova arte também divide o público em duas classes, mas não mais entre os que a entendem e os que não a entendem, mas em uma minoria que lhe é favorável e o resto da massa.
            Por que isso ocorre?


O viajante sobre o mar de névoa (1818), Caspar David Friedrich

            Segundo Ortega, para a maioria das pessoas, o prazer estético acontece quando o observador sente a presença do humano na obra, quando ocorre uma identificação entre quem observa e o que está na obra.

A resposta não oferece dúvidas: um drama agrada à pessoa quando esta conseguiu interessar-se pelos destinos humanos que lhe são propostos. Os amores, ódios, dores, alegrias das personagens comovem o seu coração: participa deles, como se fossem casos reais da vida. E diz que é “boa” a obra quando esta consegue produzir a quantidade de ilusão necessária para que as personagens imaginativas valham como pessoas vivas. [...] Na pintura só lhe atrairão os quadros onde a pessoas encontre figuras de varões e fêmeas com quem, em certo sentido, fosse interessante viver. Um quadro de paisagem lhe parecerá “bonito” quando a paisagem real que ele representa mereça, por sua amenidade ou patetismo, ser visitada em uma excursão.
(ORTEGA Y GASSET, 2008, p.25-26)

O elemento humano que promove esta identificação, toca o observador como se fossem casos reais da vida. É isto que te leva a chorar quando vê determinado filme ou lê determinado livro. É por este fato que o Romantismo conquistou o público logo de cara, porque foi feito para o grande público não como uma arte abstrata, mas como uma reprodução da vida.
Então, temos o humano representado na obra, servindo como o elemento estético que proporciona a apreciação. Quando você retira isso, o observador fica desorientado e não sabe o que fazer. Não ocorre a identificação.
Convém aqui, expor a analise de Ortega sobre o sucesso do Romantismo e do Naturalismo, onde ele faz uma analogia entre observar uma obra de arte e observar um jardim através de uma janela, presente na pagina 27 de A desumanização da arte. Através dessa analogia ele tenta demonstrar que deve haver uma sensibilidade estética para se observar uma obra de arte. Quando olhamos um jardim através de uma janela, não percebemos o vidro, mas se ajustarmos a visão para que ela detenha-se no vidro, o jardim entra em desfoque. Para ele, “a maioria das pessoas é incapaz de acomodar sua atenção no vidro e transparência que é a obra de arte: em vez disso, passa através dela sem fixar-se e vai lançar-se apaixonadamente na realidade humana que está aludida na obra.” (ORTEGA Y GASSET, 2008, p.28). O observador comum, por assim dizer, quando olha uma obra, já visa a busca do elemento humano, ele procura uma identificação. Se não tem o elemento humano, o que ele enxerga é “apenas transparências, puras virtualidades.” (idem).
E assim, Ortega afirma que toda arte do século XIX foi realista, e nisso estaria a raiz do Romantismo e Naturalismo, e consequentemente, o que impulsionou seu rápido sucesso, e vai opinar que isso é só “parcialmente obras de arte,” (idem) para apreciá-la não é necessário uma sensibilidade artística apurada, basta que ocorra a identificação.
O sucesso das obras realistas reside no fato que não eram tidas como arte abstrata, o que leva Ortega y Gasset a afirmar que em todas as épocas existiram dois tipos diferentes de arte: uma para a minoria, que tende para a abstração, e uma para a maioria, que é sempre realista.
Isso não ocorre com a arte contemporânea, pois se configura em uma arte feita somente para os próprios artistas, e não para o publico. A arte passa a ser apenas um objeto artístico. Quanto mais se retira o elemento humano da obra, resta somente o núcleo artístico, possibilitando que seja entendida somente por artistas, como por exemplo, Picasso, que fazia seus quadros para outros artistas observarem e não para o público, como mostrado no filme Modigliani, de 2004, dirigido por Mick Davis – partindo é claro do pressuposto de que o filme retrata a vida dos artistas com certa fidelidade. Embora Picasso e outros artistas da época abrissem exposições ao público, suas obras eram feitas em vista de competir com outras escolas, sendo assim, a opinião do público não era o que mais contava, e sim a inovação artística; e o que podia amparar e fundamentar o que era uma inovação em termos de arte só podiam ser outros artistas ou financiadores.


Guernica (1937), Pablo Picasso

É por isso que Ortega y Gasset fala de uma “arte artística”, onde só o que importa para o artista é o prazer estético e sua realização pessoal.
Isso é o que vai caracterizar a nova arte. Trata-se de uma arte estilizada, o real é deformado em busca de inovações, não sendo necessário a presença do humano, e temos assim uma arte desumanizada, para ela não se torna mais necessário a representação do humano. E é nesse ponto que creio que a fotografia e o cinema tem sua parcela de culpa no processo de desumanização da arte.
Podemos colocar a questão da seguinte maneira: para a arte tradicional há a representação do humano e a continuação do real da vida, nisso residia o fazer artístico do artista. Com isso estou querendo dizer que a arte sempre foi, de alguma forma, representação da vida. Se voltarmos nossos olhos para o passado, o desenrolar da obra de arte, desde o Renascimento, sempre representou uma forma de captar a realidade com fidelidade, mesmo que a obra abordasse um tema fantasioso – o que foi muito comum no Renascimento –, havia elementos que representavam com fidelidade a natureza ou o humano; mesmo nos quadros de Monet ou Van Gogh, no Impressionismo e Pós-Impressionismo, que inovaram em suas técnicas de pintura, temos ainda a presença do humano, embora já haja ali uma tendência para a desumanização. No meio disso surge a fotografia, permitindo que se capte com máxima fidelidade a realidade, e logo depois temos o advento do cinema.
O que isso promove?
Bom, se o trabalho do artista – podemos dizer para efeito de estudo – era captar a realidade, com o surgimento da fotografia, seu trabalho fica, por assim dizer, prejudicado. Se existe um instrumento que capta a realidade com precisão, o que sobra para se fazer com o meu pincel?
Qual a característica da desumanização?
Com a desumanização, a arte tira o foco da objetividade – uma vez que a fotografia ganha esse papel –, e joga esse foco para a subjetividade.
E o que encontramos na subjetividade?
A distorção da realidade.
Entendemos que o expressionismo expressa as emoções humanas, como no quadro O Grito de Edvard Munch. Os filmes do período conhecido como Expressionismo Alemão seguem a mesma linha.


O Grito (1893) Edvard Munch

O cinema expressionista alemão “se valia de maquiagens carregadas, efeitos de luz e sombra, sempre numa tentativa de causar um certo tipo de mal estar, na tentativa de traduzir o estado psicológico retratado na cena, os filmes giravam sempre em torno da insanidade e traição.” (BERGAN, 2010, p.26) Ou seja, a narrativa percorria pela via subjetiva; quando você tenta passar isso na obra, a tendência é a desumanização, pois o que acontece na subjetividade é entendido como a distorção da realidade.
Um bom exemplo disto é O gabinete do Doutor Caligari de 1920, dirigido por Robert Wiene. Todo o filme foi feito com técnicas para se manter uma atmosfera de pesadelo. Onde ocorre o pesadelo? Na subjetividade.
É esse foco na subjetividade que vai impulsionar logo depois o Surrealismo.
Tanto no Expressionismo quanto no Cubismo e Surrealismo, encontramos essa distorção da realidade, no caso do Cubismo o ser humano é representado de forma fragmentada, como se mostrasse pessoas cortadas, através de figuras geométricas. Estas vertentes representam a radicalização da arte, onde aparecem as paisagens interiores e subjetivas do artista. E é essa virada estética, esta mudança de foco para a subjetividade, que favorece a desumanização, deixando o público em uma posição desconfortável, em dificuldade para compreendê-la.

Na arte, toda forma de repetição é nula. Cada estilo que aparece na história da arte pode criar certo numero de formas diferentes dentro de um tipo genérico. Porém, chega um dia em que a magnífica mina se esgota. Isso se passou, por exemplo, com o romance e o teatro-naturalista. É um erro ingênuo crer que a esterilidade atual de ambos os gêneros se deve à ausência de talentos pessoais. O que aconteceu é que se esgotaram as combinações possíveis dentro deles. Por essa razão, deve-se julgar venturoso que coincida com esse esgotamento a emergência de uma nova sensibilidade, capaz de denunciar novas minas intactas.
(ORTEGA Y GASSET, 2008, p.30-31)

            O esgotamento desta variação no que já se tinha estabelecido dentro do contexto artístico, despertou na nova geração de artistas uma repulsa à arte tradicional, gerando uma revolta contra a própria arte e seus padrões estabelecidos. Essa aversão ao tradicional pode ser percebida de forma clara tanto no Manifesto do Surrealismo escrito por André Breton em 1924, quanto no Manifesto Dadaísta escrito em 1918 por Tristan Tzara. “A nova arte é um fato universal” (ORTEGA Y GASSET, 2008 P.30) e criou-se uma situação inalterável, de modo que não há a possibilidade de uma volta à tradição ou uma criação artística dentro da tradição.


BIBLIOGRAFIA

BERGAN, Ronald, ...Ismos para entender o cinema. São Paulo, Globo, 2010

ORTEGA Y GASSET, José, A Desumanização da arte. São Paulo, Cortez, 2008

PARA SABER MAIS

André Breton: Manifesto do Surrealismo

Tristan Tzara: Manifesto Dadaísta

O gabinete do Doutor Caligari 1920, Robert Wiene



Modigliani: Paixão pela vida, 2004, Mick Davis

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Curso de Extensão

LEITURAS FILOSÓFICAS:
SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRAMORAL
 (NIETZSCHE)

O curso 'Leituras Filosóficas' tem como objetivo propiciar orientações básicas para uma leitura sistemática de textos filosóficos clássicos e contemporâneos. Nesta quarta edição estudaremos, na íntegra, o texto 'Sobre Verdade e Mentira no sentido extramoral', de Friedrich Nietzsche. Antes de cada reunião é imprescindível leitura prévia dos capítulos indicados.

Cronograma: toda quarta, de 31 de julho a 14 de agosto

Horário: 17:30 às 18:45h

Local: Sala 52, ICHS/UFMT

Nº de vagas: 20

Público: comunidade acadêmica da UFMT e demais interessados

Carga horária: 6h (presenciais e de estudos individuais)

Professores: Bernardo Alonso e Rodrigo Marcos

Inscrição (gratuita): Depto de Filosofia, terça e quinta das 19 às 21h.


Informações: Depto de Filosofia 3615-8479 (rodrigomarcosdejesus@yahoo.com.br)

terça-feira, 19 de março de 2013


Considerações e Formulações Acerca da Obra:
Extensão ou Comunicação? de Paulo Freire
2° Parte
Sobre o Despertar da Consciência Critica nos Extensionistas

            No texto de Freire encontramos um alerta: o objetivo inicial de um extensionista é substituir os conhecimentos do homem do campo pelos seus. Isso é uma agressão e ocorre pelo fato de não haver uma consciência critica por parte dos extensionistas.

            Vale ressaltar que o extensionista, em geral, está vinculado a um órgão político; logo, os objetivos do agrônomo representam os objetivos da instituição, naturalmente, representam também os objetivos e interesses do governo.

            O extensionista tem o trabalho de levar novas técnicas e conhecimentos que objetivam melhorar a produção, num sentido puramente econômico; técnicas que avancem em direção ao aumento da produção e, consequentemente, ao aumento de capital. Percebe-se por esse viés, que desde o inicio há um fundo de interesse político.

            Mas procurando se deter na questão do trabalho do extensionista, entendemos que o que ele faz é invadir uma realidade consolidada, tentando impor uma nova visão, ou seja, duas realidades entram em choque e atuam simultaneamente, o problema que surge ai, é que elas vão tentar sobrepor-se constantemente por falta de dialogo.

            O trabalho do extensionista visa substituir a forma empírica de tratar a terra pelas técnicas e ciência aplicada, “a extensão agrícola aparece então, como um campo especializado, de cujo quefazer se espera o sucesso destas mudanças.” (Freire, p.25)
Nada disso resulta em libertação.

            Não se despreza o conhecimento empírico, pois o empírico é aquele que tem a pratica, o extensionista é aquele que tem a técnica. Portanto, através do dialogo, os dois formarão aquilo que a filosofia freireana busca: a conciliação entre teoria e pratica. Por este motivo, não se pode desprezar o conhecimento empírico ao levar ou estender os novos conhecimentos para essa outra realidade.

            A critica de Freire está calcada no fato do agrônomo adentrar essa outra realidade, com técnicas prontas, e tentar aplicá-las sem o prévio conhecimento da realidade em questão. O despertar da consciência critica no agrônomo pode, em parte, evitar isso. Ele deve conhecer, antes de atuar, a realidade do homem rural; não em termos gerais, mas conhecer especificamente a realidade onde pretende atuar. Ele reforma sua própria visão de mundo a partir do dialogo com o homem do campo. Dialogando ele conhece e entende a realidade rural; ele não afirma mais: É assim que se faz!, ele pergunta: Como é que se faz?.



Invasão Cultural
           
            Nota-se que estamos novamente tratando da situação opressor-oprimido. O agrônomo sai de seu espaço histórico-cultural, esse espaço contem seus valores, sua visão de mundo; ou seja, seus conhecimentos de mundo ocorrem sob esses valores que ele vai tentar sobrepor sobre os valores do homem do campo, que por sua vez estão inseridos em outro contexto histórico-cultural. Dessa forma o agrônomo reduz o homem rural a objetos de sua ação, em uma relação autoritária, situando os dois em pólos antagônicos.
                                                              
O agrônomo invade a cultura do homem rural por meio de uma ação antidialógica, toma o homem do campo por objeto, o camponês tem a ilusão de que atua junto com o agrônomo quando na verdade seus valores estão sendo apagados e sua ação está sofrendo um processo de domesticação.

O primeiro atua, os segundos tem a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos, proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do primeiro, o invasor pensa, na melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são pensados por aqueles. O invasor prescreve, os invadidos são pacientes da prescrição.
                                                                                 (Freire, p.41-42)

Freire afirma que toda invasão cultural pressupõe a conquista pelo messianismo de quem invade, como a invasão é um ato de conquista, necessita de mais conquista para se manter. (Freire, p.42)
      
            O que o agrônomo faz ao invadir a cultura rural?
            Ele descaracteriza essa cultura. Como ocorre essa descaracterização?
        
          O invasor possui instrumentos a seu favor, a descaracterização, a substituição de valores, ocorre por meio da persuasão; o invasor persuade fazendo uso de tais instrumentos; estes instrumentos são: propagandas, slogans, mitos, manipulação. Tomado como recipiente, o homem rural é “enchido” pelos valores da cultura invasora através do uso de tais ferramentas.

Por meio da manipulação, o invasor desperta no invadido a sensação de que estão atuando juntos, quando na verdade o povo rural está sendo massificado.
Só se pode reverter ou evitar este quadro por meio do dialogo.

            Freire ressalta, para não cair em relativizações e generalizações, que reconhece que nem todos os extensionistas promovem a invasão cultural, porém não é possível ignorarmos o sentido ostensivo que o termo extensão assume.

            Esse sentido é aquele que foge do dialogo, que se afasta do humanismo, da transformação conjunta da realidade. Em sua própria ignorância, o invasor pensará que o que faz é um quefazer educativo; domestica sem saber, manipulam e persuadem achando que educam, quando na verdade estão atuando no erro, eles tem a falsa sensação de que estão “libertando” o homem rural. Ao se desconhecer a cultura da população a quem se destina, a extensão é antidialógica e manipuladora.

            Para se ter êxito, a invasão cultural precisa convencer os invadidos de que eles são inferiores, assim passam a ver os invasores como superiores, adquirem seus valores e seus hábitos, sua maneira de produzir de pensar. Posto deste modo, são submetidos a condições concretas de opressão e são incapazes de perceber a própria sujeição e se acomodam nela. Vendo o opressor como autoridade, ele se torna dócil e passivo, propicio a receber os conhecimentos do opressor como verdade, pois o opressor, através do messianismo e da propaganda, persuade o oprimido de que o que ele faz é errado.

Por que insistem na antidialogicidade?

            A desculpa dos próprios agrônomos é que por meio da dialogicidade as coisas acontecem de forma lenta e não se concilia à “premência do país no que diz respeito ao estimulo à produtividade”. (Freire, p.45)

            Quanto a isto, é interessante ressaltarmos um trecho da obra em questão em que Freire expõe argumentos coletados em seminários com os próprios extensionistas, em que eles apresentam uma “defesa” da invasão cultural:


     Para grande parte, senão a maior parte dos agrônomos com quem temos participado em seminários em torno dos pontos de vista que estamos desenvolvendo neste estudo, a “dialogicidade é inviável”. “E o é na medida em que seus resultados são lentos, duvidosos, demorados”. “Sua lentidão – dizem ou outros – apesar dos resultados que pudesse produzir, não se concilia com a premência do país no que diz respeito  ao estimulo à produtividade”.
“Deste modo – afirmam enfaticamente – não se justifica essa perda de tempo, entre dialogicidade e antidialogicidade fiquemos com essa ultima, já que é mais rápida”.
      Há, inclusive, aqueles que, movidos pela urgência do tempo, dizem que “é preciso que se façam ‘depósitos’ de conhecimentos técnicos nos camponeses, já que assim, mais rapidamente, serão capazes de substituir seus conhecimentos empíricos pelas técnicas apropriadas”.
      “Há um problema angustiante que nos desafia – declaram outros -, que é o aumento da produção; como, então, perder um tempo tão grande, procurando adequar nossa ação às condições culturais dos camponeses? Como perder tanto tempo dialogando com eles?”
     “Há um ponto mais sério ainda – sentenciam outros – Como dialogar em torno de assuntos técnicos? Como dialogar com os camponeses sobre um coisa  que eles ainda não conhecem?”
                                                                                             (Freire, p 45)


            Apesar de Freire usar este exemplo concreto, podemos, após refletir um pouco, notar que a invasão cultural é um termo abrangente. Essa situação ocorre sempre que o invasor tenta sobrepor sua visão de mundo sobre a realidade do invadido. E para que uma invasão seja eficaz, ela necessita de antidialogicidade, necessita que o homem seja “coisificado”, que seja tomado como objeto, como um ser passivo, um jarro vazio que pode ser “enchido” pelos novos conhecimentos.

            Freire nos mostra que o problema não é nem a situação opressor-oprimido em si, mas sim a sua manutenção. Manutenção que por sua vez ocorre pela própria ignorância dos opressores, e na insistência de continuarem nessa ignorância. A opinião dos extensionistas, que estão aqui no papel de opressores, é que a dialogicidade é perda de tempo, porque eles precisam cumprir metas, precisam de resultados rápidos. Voltamos então àquela situação inicial, que o extensionista está vinculado a um órgão político, representando os interesses do governo. Se analisarmos sob essa luz, o extensionista é também um oprimido, o que ele faz também é mecânico. Em sua relação com os superiores também não há dialogo, eles também são conquistados pela sloganização e propaganda, eles também são persuadidos. Seu objetivo logo se pauta na reprodução disso sobre o homem rural, que por sua vez é oprimido duplamente, sendo assim o objetivo dos extensionistas, depende da capacidade de adaptação e reprodução por parte do camponês.

Porém, o mais interessante de se notar é que não saímos da situação opressor-oprimido. Não é absurdo afirmarmos que toda obra de Freire tem como ponto central a Pedagogia do Oprimido. “Do” oprimido, esse “do” nos mostra o ponto de onde ele olha. Eu digo que o conceito opressor-oprimido centra toda a filosofia de Freire, porque esse conceito é a matriz dos outros conceitos; do dialogo entre opressor e oprimido surge a consciência critica que auxiliada pela práxis nos leva em direção à busca do ser mais.

O conceito de opressor-oprimido é atual porque é uma situação que sempre irá surgir, e se é algo que sempre vai surgir, o dialogo deve ser algo constante. É só pelo dialogo, apoiado pela consciência critica que se tenta evitar a repetição desta situação.


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Freire, P; Extensão ou Comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 93p. 

segunda-feira, 11 de março de 2013


Considerações e Formulações Acerca da Obra:

Extensão ou Comunicação? de Paulo Freire

1° Parte
Sobre o Termo Extensão

            Em Extensão ou Comunicação?, Freire nos apresenta um exemplo concreto de uma situação opressor-oprimido. Ao longo deste artigo, veremos que essa é uma situação que envolve quase, senão todas as relações humanas. Em sua obra mais conhecida A Pedagogia do Oprimido, Freire expôs sua Teoria Dialógica da Ação, e foi onde nos mostrou, de forma mais objetiva, como se dá essa situação, denunciou a educação bancária e propôs ideias que podem ajudar o homem a sair dessa situação, de modo que os pólos opressor-oprimido não apenas se invertam, a tentativa visa erradicar essa relação antagônica. Como foi dito acima, em Extensão ou Comunicação?, Freire dá o exemplo concreto desta situação ao tratar sobre o trabalho do agrônomo-educador, também chamado extensionista, e enfatiza mais uma vez que, só se sai dessa situação através de um dialogo problematizante, dialogo este, que tem o intuito de despertar uma consciência critica da realidade.


Por que Debater Sobre a Extensão?

   O trabalho do agrônomo-educador, que se dá no domínio do humano, envolve um problema filosófico que não pode ser desconhecido nem tampouco minimizado.
    A reflexão filosófica se impõe neste, como em outros casos. Não é possível eludí-la, já que o que a Extensão pretende, basicamente, é substituir uma forma de conhecimento por outra. E basta que estejam em jogo formas de conhecimento para que não se possa deixar de lado uma reflexão filosófica. (Freire, p 26/27)
            
           No termo extensão, encontramos o sentido de levar algo à, estender algo, nessa concepção, o ato de educar adquire uma conotação mecanicista, nesse sentido o trabalho do extensionista rural é uma educação-bancaria, aquela que vê o educando como uma jarro vazio onde se pode depositar os conhecimentos de outrem.
            O termo extensão não corresponde a um quefazer libertador, que é o dever do extensionista. Pela sua significação de estender algo, o termo nega o papel transformador da realidade. Quando explanamos o conceito do termo extensão, torna-se contraditório dizer que o trabalho do extensionista é persuadir a população rural a aceitar sua propaganda. Se um extensionista chega à uma população rural, tentando persuadir os camponeses a aceitarem a sua propaganda, o que o extensionista faz é negar que o homem rural tem a capacidade de formular conhecimentos próprios.
            Esta obra de Freire não se trata apenas de uma crítica ao trabalho do agrônomo educador, trata-se de uma tentativa de despertar uma consciência critica nos estensionistas, para que possam atuar de forma eficaz, despertando também a consciência critica do homem rural, partindo de sua própria realidade.
            Freire esta expondo uma contradição: persuadir – educar. Não é possível aceitar que a imposição de uma propaganda, de uma visão de mundo por meio da persuasão seja uma forma de educar. Educação só é verdadeira quando encarna a busca do ser mais. A persuasão nega a formação de um conhecimento autentico.
            Persuadir o camponês a aceitar a propaganda de seus aparatos e técnicas é uma forma de domesticação, a propaganda é um instrumento de domesticação, independente de seu conteúdo, a persuasão irá tomar o homem rural como objeto da propaganda.
            O termo extensão sugere algo dinâmico, mas para Freire o que temos aqui é um equivoco; ela propõe uma dinâmica, mas se o que ela faz é somente estender algo, aquele que sofreu a extensão ira receber apenas um conteúdo estático, nada de dinâmico. Essa forma estática surge da ingenuidade dos homens acharem que o conhecimento do mundo é algo que possa ser transferido, estendido ou depositado.
            Ora, o mundo está em constante transformação, só por este fato, o conhecimento dele não pode ser algo estático e imutável, igual para todos, “a confrontação com o mundo é a fonte verdadeira do conhecimento.” (Freire, p.27)
Pelo mundo ser algo sempre em transformação, isso requer, naturalmente, uma busca constante.
            O termo extensão separa o homem do mundo. Formula-se uma visao de realidade e tenta-se a imposição dessa visão sobre o homem. Um grande erro, pois não se separa homem-mundo, não existe o mundo sem o homem e vice-versa, “o homem se encontra marcado pelos resultados de sua própria ação.” (Freire, p.28)
            O que a extensão faz, é mostrar uma presença nova naquela realidade, a presença dos conteúdos estendidos. Ela toma o homem como objeto, transformado em objeto, o homem não conhece, ele só conhece quando passa a atuar como o sujeito que indaga, o homem precisa entender que atua no mundo, e é esta atuação que transforma a sua realidade.
            O que Freire tenta, é tirar a extensão do campo da doxa, nesse sentido ele entende que a extensão traz um conhecimento que é mostrado para o homem rural. Desta forma o homem capta a presença das coisas, exercendo sobre elas a mera opinião. Apenas por esse captar, não é possível um aprofundamento do conhecimento, adentrar o conhecimento é ter uma percepção critica sobre as coisas



[i]Freire, P; Extensão ou Comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 93p.