O
texto abaixo é um trecho do livro de Gerd Bornheim "Sartre. Metafísica
e Existencialismo". Desenvolve a relação entre liberdade, angústia e nada.
[Liberdade,
angústia e nada]
Mas o que se entende por liberdade?
Se o homem não é estruturado por nenhuma constituição interna, a determinação
da liberdade permanece ontologicamente negativa: qualquer tentativa de
determinação incide na total indeterminação; a liberdade é indeterminação
absoluta. Faz-se claro, assim, que Sartre explicite a liberdade, antes de mais
nada, como desprendimento do passado, quer em um sentido objetivo, quer em um
sentido subjetivo. “Esta liberdade, que se descobre a nós na angústia, pode
caracterizar-se pela existência desse nada
que se insinua entre os motivos e o ato” (EN, p. 71). A importância da
liberação do passado ou, ao menos, o empanamento dos motivos através do nada
que se intromete, explica-se por que todo o reconhecimento de uma vigência
atuante do passado resultaria em demarcar o homem por um em-si; com efeito, o
passado, na medida em que determina a liberdade, assume as características do
em-si e infringe o ato livre por instaurar a relação causa-efeito. O
reconhecimento do passado deve dar-se em direção exatamente oposta: não a
partir do ser, que sempre é determinante, e sim a partir do nada. O
reconhecimento da liberdade implica o reconhecimento do nada como sua raiz
geradora. A frequente tentação de desumanizar-se provém da tendência que habita
o homem de encontrar a si próprio na coincidência com o ser, quando em verdade
enfrentar o próprio nada coincide com a humanidade radical do homem. Daí a
importância da angústia, pois olhar o nada nos olhos redunda em admitir o homem
naquilo que ele é em seu fundamento. “É na angústia que o homem toma
consciência de sua liberdade como consciência de ser, é na angústia que a
liberdade, em seu ser, se problematiza para ela mesma” (EN, p. 66). Nesse sentido,
eu sou a angústia (EN, p. 70)
encravada num passado que eu não posso ser, “eu me faço não ser esse passado de
boas resoluções que eu sou” (EN, p.
71). O homem nunca pode ser os conteúdos que povoam a sua consciência: eles são
escorregadios, devolvem-se à sua angústia, ou seja, à sua liberdade. O homem é
um ser que se despede constantemente do ser, a angústia o desenraíza do que é.
(Gerd
Bornheim. Sartre. Metafísica e
Existencialismo, p. 46-47)
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