sábado, 3 de novembro de 2012

Leituras complementares 3: Liberdade, angústia e nada


O texto abaixo é um trecho do livro de Gerd Bornheim "Sartre. Metafísica e Existencialismo". Desenvolve a relação entre liberdade, angústia e nada.

[Liberdade, angústia e nada]

            Mas o que se entende por liberdade? Se o homem não é estruturado por nenhuma constituição interna, a determinação da liberdade permanece ontologicamente negativa: qualquer tentativa de determinação incide na total indeterminação; a liberdade é indeterminação absoluta. Faz-se claro, assim, que Sartre explicite a liberdade, antes de mais nada, como desprendimento do passado, quer em um sentido objetivo, quer em um sentido subjetivo. “Esta liberdade, que se descobre a nós na angústia, pode caracterizar-se pela existência desse nada que se insinua entre os motivos e o ato” (EN, p. 71). A importância da liberação do passado ou, ao menos, o empanamento dos motivos através do nada que se intromete, explica-se por que todo o reconhecimento de uma vigência atuante do passado resultaria em demarcar o homem por um em-si; com efeito, o passado, na medida em que determina a liberdade, assume as características do em-si e infringe o ato livre por instaurar a relação causa-efeito. O reconhecimento do passado deve dar-se em direção exatamente oposta: não a partir do ser, que sempre é determinante, e sim a partir do nada. O reconhecimento da liberdade implica o reconhecimento do nada como sua raiz geradora. A frequente tentação de desumanizar-se provém da tendência que habita o homem de encontrar a si próprio na coincidência com o ser, quando em verdade enfrentar o próprio nada coincide com a humanidade radical do homem. Daí a importância da angústia, pois olhar o nada nos olhos redunda em admitir o homem naquilo que ele é em seu fundamento. “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade como consciência de ser, é na angústia que a liberdade, em seu ser, se problematiza para ela mesma” (EN, p. 66). Nesse sentido, eu sou a angústia (EN, p. 70) encravada num passado que eu não posso ser, “eu me faço não ser esse passado de boas resoluções que eu sou” (EN, p. 71). O homem nunca pode ser os conteúdos que povoam a sua consciência: eles são escorregadios, devolvem-se à sua angústia, ou seja, à sua liberdade. O homem é um ser que se despede constantemente do ser, a angústia o desenraíza do que é.

(Gerd Bornheim. Sartre. Metafísica e Existencialismo, p. 46-47)  

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